O espiritismo não é religião como se pensa

04/09/2019

Por Júlio Abreu Filho e J. Herculano Pires

Livro: O Verbo e a Carne (Duas Análises do Roustainguismo) - Júlio Abreu Filho, J. Herculano Pires

(...)

[Allan] Kardec considerou o Espiritismo sob três aspectos fundamentais: o científico, o filosófico e o religioso; mas nunca afirmou que o Espiritismo fosse uma religião. Em escritos vários temos sustentado que, segundo o conceito clássico de religião, esta se acha condicionada às influências do meio social, e pode ser considerada sob dois aspectos: o de interioridade e o de exterioridade. O primeiro desenvolve pelo estudo, pela meditação, pelo conhecimento aplicado aos superiores objetivos da vida e não é percebido por sinais externos; o segundo é a moda, é o ritual, é a liturgia, é tudo aquilo que fala aos sentidos e que, pouco a pouco, transforma as práticas religiosas num automatismo psicológico. A primeira dá a compreensão e alarga os horizontes espirituais; o segundo limita a inteligência e cria o fanatismo.

Livro: O Verbo e a Carne (Duas Análises do Roustainguismo) 


Como quer que seja, este último aspecto é o que prevalece em todos os cultos, em todos os tempos, dado o comodismo e o interesse dos dirigentes religiosos.

Assim, o que caracteriza uma religião é, essencialmente, o seguinte:

1º - Um conjunto de dogmas, impostos à razão e transformados em artigos da fé;

2º - Um ritual mais ou menos aparatoso, a cuja origem podemos remontar e buscar a sua significação no sincretismo religioso e nos fenômenos do psiquismo coletivo, terrivelmente persistentes em todos os povos, embora variem ligeiramente as causas eficientes;

3º - Uma hierarquia sacerdotal que dirige este segundo aspecto e guarda e amplia o primeiro.

Posto que, vez por outra, se encontre na obra de Kardec o vocábulo dogma, este aí aparece mais com o significado de ponto inconcusso de doutrina, estabelecido à luz dos fatos e das consequências deste decorrentes, do que de ponto inconcusso de fé, estabelecida ou, antes, imposta, mesmo que choque a razão e não se apoie em argumentos lógicos. Por isso mesmo, Kardec sistematicamente nos diz que o Espiritismo não é uma religião.

José Herculano Pires 

Com efeito, no seu [livro] O Que é o Espiritismo, 9ª edição da FEB [Federação Espírita Brasileira], ano de 1945, lemos à página 8:

"Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais, que dimanam dessas mesmas relações.

Podemos defini-lo assim:

O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal."

Mais adiante, à página 74, afirma:

"O Espiritismo tem por fim combater a incredulidade e suas funestas consequências, fornecendo provas patentes da existência da alma e da vida futura; ele se dirige, pois, àqueles que em nada creem ou que de tudo duvidam, e o número desses não é pequeno, como muito bem sabeis; os que têm fé religiosa e a quem esta fé satisfaz, dele não tem necessidade.

Se hoje há luta entre a Igreja e o Espiritismo, nós temos consciência de não tê-la provocado."

E à página 84 assim aborda a questão dos dogmas:

"O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência, e não cuida de questões dogmáticas. Esta ciência tem consequências morais como todas as ciências filosóficas: essas consequências são boas ou más?

É simples julgar-se pelos princípios gerais que acabo de expor."

E já na página seguinte, repisa:

"Melhor observado depois que se vulgarizou, o Espiritismo vem derramar luz sobre grande número de questões até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não o de uma religião; e a prova disso é que ele conta entre seus aderentes homens de todas as crenças", etc.

E cinco linhas adiante:

"Ele repousa, por conseguinte, em princípios independentes das questões dogmáticas. Suas consequências morais são todas no sentido do Cristianismo, porque de todas as doutrinas é esta a mais esclarecida e pura; razão pela qual, de todas as seitas religiosas do mundo, os cristãos são os que mais aptos para compreendê-lo em sua verdadeira essência.

Podemos exprobá-lo por isso?

Cada um pode formar de suas opiniões uma religião e interpretar à vontade as religiões conhecidas; mas daí a constituir nova Igreja, a distância é grande."

Júlio Abreu Filho

Em perfeita concordância, lemos à página 102;

"Eis porque, sem ser uma religião, o Espiritismo prende-se essencialmente às ideias religiosas, desenvolve-as naqueles que não as possuem, fortifica-as nos que as têm incertas.

A religião encontra, pois, um apoio nele, não para as pessoas de vistas estreitas, que a veem integralmente na doutrina do fogo eterno, na letra mais do que no espírito, mas para aqueles que a veem segundo a grandeza e majestade de Deus."

Parece que temos o suficiente

Como é sabido que todas as religiões se arrogam a posse exclusiva da Verdade e o culto do verdadeiro Deus, nenhum elemento forneceram os Espíritos a Kardec para constituir o Espiritismo em religião, como se vê dos trechos citados. Ele é uma ciência na sua feição prática; e como versa os problemas gerais da evolução da vida universal, conduz-nos a generalizações máximas, isto é, uma filosofia; e porque ciência e filosofia lidem com os problemas máximos do ser humano, os de sua origem, de suas vicissitudes, assim na matéria como fora dela, e porque nos aponta o destino irrefragável do Espírito, problema basilar de todas as religiões - mas insolúvel ou erradamente considerado em todas elas -, é que o Espiritismo tem consequências religiosas, mas nunca será religião.

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